BREVIÁRIO DA FLOR
José Moreira da Silva
Enquanto a bela flor enfeita o campo,
um pirilampo emite luz incerta
noutras paragens. E nasce o canto
em metáforas: o poema desperta
a beleza da flor, as penas brancas
do pássaro a voar no imaginário.
No desenho do corpo da potranca
o garanhão legou seu breviário.
E aquele olhar profundo penetrou,
foi além da vil carne, em busca d’alma,
onde o marco poético cravou
moirão de cerne da melhor estirpe.
Palavras de beleza tal são palmas,
enfeitam tudo o que na mente existe.
GRAVO O CANTO EM PEDRA
José Moreira da Silva
Eu canto, canto, de cantar não canso,
porque eu canto com prazer e gosto,
embora o canto seja triste e manso,
afaga rio meu se todo desgosto.
Às vezes, frio, como o mês de agosto,
e lento corno as águas dum remanso,
espraia-se ele em mim, mirando o rosto
do tempo que passou e do que avanço.
E assim vou, lentamente, passo a passo,
tentando construir neste compasso,
traços feitos de esperança e amor.
Meu desejo, no tempo, se dilui,
mas agravo o canto em pedra, que não rui,
e, deste modo, aplaco a minha dor!